
A COP 30, 30ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima, é um evento global que reúne líderes e especialistas para debater e negociar ações de enfrentamento às mudanças climáticas. Sua relevância está em ser o principal fórum internacional sobre o tema e, pela primeira vez, ocorrerá no Brasil — em Belém do Pará, no coração da Amazônia. A realização da conferência no país é estratégica, pois reforça o papel do Brasil como ator central nas negociações climáticas e oferece uma oportunidade única para discutir soluções específicas para a Amazônia, região vital para o equilíbrio climático global.
Embora a COP 30, em Belém (PA), seja a primeira Conferência das Partes realizada no Brasil, foi justamente no país que nasceu a decisão de criar esse espaço global de negociação climática. Durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, os países-membros da ONU firmaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que estabeleceu a realização periódica das COPs para debater e monitorar o enfrentamento das crises ambientais. Três décadas depois, o Brasil volta ao centro das discussões internacionais sobre o futuro do planeta — agora como sede de uma conferência decisiva para o Sul Global e para as agendas de justiça climática.
Com início marcado para o dia 10 de novembro, a COP 30 deve intensificar as discussões em torno do ODS 13 (Ação contra a Mudança Global do Clima) — com foco na aceleração da transição energética, no combate ao desmatamento e na ampliação do financiamento para adaptação, especialmente nos países em desenvolvimento — e do ODS 17 (Parcerias e Meios de Implementação), que busca fortalecer a cooperação internacional para viabilizar o financiamento climático, o apoio técnico e a implementação efetiva dos planos de redução de emissões.
Contudo, cabe questionar: a que custo será realizada essa transição energética? E quais serão seus impactos sobre as populações e os territórios mais vulneráveis?
Em 2020, o PAD lançou o estudo “Os ODS à Luz dos Direitos Humanos”, em um contexto de grande desesperança no país. A publicação trouxe uma análise crítica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a partir da ótica dos direitos humanos e da atuação de organizações, redes e movimentos sociais na defesa e promoção de direitos. Leia aqui
Em 2024, durante o encontro do G20 no Brasil, foi publicada uma atualização dessa análise (2020–2024), abordando os ODS 3, 5, 6, 7, 9, 12, 14 e 15 sob a mesma perspectiva. Leia aqui
Agora, às vésperas da COP 30, buscamos lançar um olhar mais específico sobre o ODS 13 e o ODS 17. Enquanto o mundo aposta na transição energética como a principal resposta à crise climática, países detentores de minerais críticos e terras raras já começam a sentir os impactos sociais e ambientais dessa nova corrida extrativista.
Defendemos que, durante a Conferência, as discussões sobre o ODS 13 não se limitem à aceleração da transição energética para fontes renováveis, mas priorizem a construção de debate sobre uma transição justa, popular e inclusiva. Isso significa discutir modelos energéticos que valorizem as comunidades locais, promovam soberania popular e considerem os saberes tradicionais. É fundamental denunciar as falsas soluções e os efeitos negativos de uma “transição energética” que não coloca as pessoas e o meio ambiente no centro das decisões.
O ODS 17 propõe fortalecer parcerias globais para o desenvolvimento sustentável, mas a disputa por minérios estratégicos e terras raras revela contradições profundas nesse objetivo. Países do Sul Global, detentores desses recursos, enfrentam pressões externas, dependência tecnológica e crescente instabilidade política. A Venezuela é um exemplo emblemático: sua riqueza mineral, em especial o petróleo e o ouro, tem sido tanto motor quanto armadilha, alimentando sanções, ingerências e crises internas. Esse cenário evidencia que, sem equidade nas relações internacionais e controle soberano sobre os bens naturais, a cooperação global corre o risco de reproduzir velhas assimetrias sob o discurso da sustentabilidade
Nesse sentido, o debate em torno do ODS 17 torna-se igualmente essencial. Viabilizar o ODS 13 depende do fortalecimento da cooperação global, da mobilização de recursos financeiros, da transferência de tecnologia e da capacitação de países e comunidades para atingir as metas climáticas.
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – 13
Ação contra a mudança global do clima – Adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos
No contexto do ODS 13, o Brasil registrou melhora em ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com ampliação de metas e programas ambientais. No entanto, a efetividade dessas iniciativas ainda depende da continuidade das políticas públicas e da integração entre esferas de governo.
O Brasil tem apresentado avanços importantes, entre eles, o fortalecimento do planejamento nacional, a priorização da agenda climática pela Presidência no G20 , a redução de 32,4% na área total desmatada em 2024 em comparação com 2023, e uma queda de 11,49% na Amazônia entre agosto de 2024 e julho de 2025. Esses resultados têm impacto direto na concretização dos objetivos do ODS 13. No entanto, a aprovação, em agosto deste ano, do PL 2159/2021 — conhecido como “PL da Devastação” — pelo Congresso Nacional, ameaça reverter esses progressos.
A 9ª edição do Relatório Luz da Sociedade Civil (setembro de 2025), publicado pelo GT Agenda 2030, alerta que, mesmo com vetos parciais do presidente Lula, a aprovação do PL da Devastação representa uma séria ameaça ao desenvolvimento sustentável e à proteção ambiental no Brasil. Segundo o relatório, a medida “cria um novo patamar de risco à proteção dos ecossistemas, ao lado de outras ameaças, como empreendimentos predatórios e a própria crise climática, ao flexibilizar o licenciamento ambiental e enfraquecer os mecanismos de controle”. Leia o Relatório Luz aqui
A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) apresentada pelo governo brasileiro em novembro de 2024 estabeleceu a meta de reduzir entre 59% e 67% das emissões até 2035, tomando como referência os níveis de 2005. Ainda assim, o compromisso é considerado menos ambicioso que a recomendação do Balanço Global (Global Stocktake), que propõe uma redução de 60% em relação a 2019.
Entre os principais destaques da nova NDC estão os objetivos de eliminar o desmatamento ilegal — por meio de ações de comando e controle e do ordenamento fundiário — e de promover a conservação florestal, com incentivos econômicos e estímulos à manutenção e restauração da vegetação nativa em propriedades rurais privadas.
Atualmente, o Brasil ocupa o sexto lugar nos rankings globais de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Em 2023, o país emitiu 2,3 bilhões de toneladas de CO₂ o que representa uma redução de 12% em relação a 2022 — a maior queda registrada desde 2009.
As discussões sobre a atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) tiveram início no final de 2023, com a criação de um grupo de trabalho no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM).
Até o início de 2025, 22 projetos de lei tramitavam no Congresso Nacional com o objetivo de alterar a PNMC. Em 2024, foram estabelecidas diretrizes para os planos estaduais, municipais e distrital de adaptação, que enfatizam a redução da vulnerabilidade às mudanças climáticas, mas não incorporam explicitamente os princípios de justiça climática nem as perspectivas de gênero e raça.
Segundo o Relatório Luz, essas iniciativas ainda não permitem uma avaliação efetiva de seus resultados. Contudo, diante da urgência da crise climática, preocupa a insistência do governo federal em avançar com a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas (margem equatorial).
Em síntese, o Relatório Luz recomenda para o ODS 13: fortalecer a coordenação interministerial e interfederativa com participação da sociedade civil para garantir a efetividade das metas climáticas e de defesa civil. É essencial ampliar o acesso a informações climáticas com dados desagregados e enfoque em justiça climática e racismo ambiental.
Deve-se acelerar a elaboração e implementação dos planos climáticos nacional e subnacionais, com ampla participação de populações vulnerabilizadas, e ampliar o orçamento do Cemaden e da Defesa Civil, priorizando prevenção de riscos, gestão de desastres e acolhimento com recortes de gênero, raça, idade e deficiência.
Recomenda-se ainda investir na adaptação de escolas e comunidades, reforçar a fiscalização ambiental em todos os biomas, reconhecer a inconstitucionalidade do Marco Temporal e avançar na demarcação e titulação de territórios indígenas e quilombolas, além de proteger defensores ambientais.
Outras medidas incluem eliminar subsídios aos combustíveis fósseis, revogar a exploração de petróleo na foz do Amazonas, aumentar a ambição da NDC e assegurar uma transição justa rumo à neutralidade de carbono até 2050. Por fim, propõe-se ampliar a cooperação e o financiamento climático, regulando o setor privado e garantindo acesso equitativo a mulheres, população negra, povos indígenas, comunidades tradicionais, pessoas LGBTQIAPN+, jovens e pessoas com deficiência.
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 17
Parcerias e meios de implementação
O ODS 17 busca fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, reconhecendo que o alcance das metas globais depende da cooperação entre governos, setor privado, sociedade civil e organismos internacionais.
O objetivo envolve mobilizar recursos financeiros, promover transferência de tecnologia, fortalecer capacidades institucionais e incentivar parcerias multissetoriais. Também destaca a importância da governança global, da transparência econômica e do acesso equitativo à ciência e à inovação. Ao propor uma colaboração solidária e justa, o ODS 17 busca enfrentar desafios globais e assegurar que ninguém seja deixado para trás no caminho do desenvolvimento sustentável.
Em 2024, durante o exercício da presidência do G20, o Brasil ampliou suas parcerias internas e externas voltadas ao desenvolvimento sustentável, com destaque para o avanço em medidas de progressividade tributária, como a proposta de imposto sobre grandes fortunas, e para o acordo internacional que busca viabilizar a manufatura de vacinas em países em desenvolvimento.
A regulamentação da primeira fase da reforma tributária e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima das projeções iniciais representaram avanços significativos. No entanto, a inflação persistente manteve a política monetária em patamar contracionista, limitando parte dos ganhos econômicos.
Segundo o Relatório Luz, a meta 17.12 ( implementar o acesso de mercados livres de cotas e taxas para todos os países menos desenvolvidos, de forma sustentável e em conformidade com as decisões da OMC) completou seis anos de progresso contínuo, embora ainda distante de seu pleno alcance. Em 2024, pela primeira vez em 15 anos, a arrecadação tributária superou metade do orçamento da União (56%), impulsionada, entre outros fatores, pela implementação do novo imposto sobre fundos de investimento aplicados em paraísos fiscais. O crescimento das pequenas e médias empresas (PME), responsáveis por 27% do PIB, aliado a investimentos públicos em 2024, permitiu que a economia crescesse 3% enquanto as PME avançavam 4,5%, separando atividade econômica de especulação financeira.
A ausência de legislação e política para tornar o país doador limita seu protagonismo multilateral em desenvolvimento.
O orçamento da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) registrou queda contínua desde 2016, retornando a crescimento apenas em 2023. Apesar da recuperação nos últimos dois anos, o montante atual ainda é pouco mais da metade do registrado em 2015.
Apesar de algumas incertezas, o Brasil mantém posição sólida entre as economias emergentes. O endividamento é compatível com o porte da economia, e o aumento da arrecadação, aliado ao retorno dos investimentos sociais e ambientais, cria boas perspectivas para a próxima década — desde que prevaleça a visão de longo prazo. A rede nacional de bancos de desenvolvimento é referência internacional, com alta capacidade técnica e estatística, embora ainda haja espaço para avançar em inovação tecnológica e transparência.
O Relatório Luz recomenda estabilizar o câmbio e reduzir gradualmente os juros para impulsionar o crescimento, fortalecer a política externa e ampliar a cooperação internacional. Sugere ainda a criação de um PIX internacional e a regulação do ágio cambial, o desenvolvimento de uma política industrial menos dependente de commodities e a atração de investimentos em setores de maior valor agregado. Também propõe expandir a banda larga em áreas rurais e florestais, estabelecer um marco legal para a atuação do Brasil como país doador, firmar acordos comerciais favoráveis a nações de baixa renda e alinhar a cooperação internacional à Agenda 2030, com uso eficiente dos recursos para o desenvolvimento sustentável.
Por fim, o sucesso da COP30 não se medirá apenas pela quantidade de anúncios ou compromissos firmados, mas pela capacidade de transformar metas em resultados concretos. Isso exige a criação de mecanismos de implementação eficazes, o fortalecimento das fontes de financiamento climático e a mobilização de vontade política em nível global e nacional. Para além dos discursos, a conferência precisa gerar ações tangíveis que acelerem a redução das emissões, promovam a adaptação às mudanças climáticas e impulsionem a transição para tecnologias e matrizes energéticas de baixo carbono.
Entre os principais desafios estão a consolidação de instrumentos financeiros que garantam apoio contínuo aos países em desenvolvimento, a definição de metas realistas de mitigação e adaptação, e a integração entre políticas climáticas, sociais e econômicas. A COP30 representa, portanto, uma oportunidade decisiva para transformar compromissos multilaterais em políticas públicas efetivas e sustentáveis, alinhadas à Agenda 2030 e ao Acordo de Paris.
Kátia Visentainer – Jornalista do PAD
Fonte: Relatório Luz 2025